sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Estar bem

Olá meus caros,

O que é estar bem?

É mostrar que sorrimos e rimos e estamos atentos ao que nos dizem? É adorar viver e viajar? É apreciar ir a um bom restaurante? Ir a uma bela tasca petiscar? É gostar de sermos vaidosos? É agradecer todas as coisas boas que a vida nos tem dado? É ir amparando os golpes que a vida nos traz e aprender com eles (e no fundo aprender uma lição)?

Então eu devo estar ótima!

Com as hormonas no entanto a darem-me cabo do sistema.

Isto é a vida a desafiar-me novamente ou são as hormonas a descontrolarem-se? Porque já li que é isso mesmo que acontece. Já não reconhecemos quem somos e andamos furiosamente à procura de nós. Leio e pesquiso. O que se passa comigo?

Eu ando à procura sim. De ver finalmente quem eu sou, no que me transformei e o que quero.

É pena que nos intervalos disso eu chore lágrimas infinitas. Mas quero acreditar que são as malditas hormonas, essas cabras que nos põem a questionar tudo e todos.

Mas não vou ao fundo do poço. Recuso-me. Ou será através de terapia, ou de mais exercício físico (ou das 2 coisas). Ou será por querer fazer mais coisas por mim e para mim. O processo de recuperar alguns contactos já começou. O almoço com uma antiga colega, mais almoços e conversas com as amigas de sempre, pequenas conversas com um antigo colega que cuja infância e relatos de abusos infantis me marcaram imenso na altura e cujos textos e opiniões públicas partilhadas profissionalmente eu adoro e admiro, etc etc. Quero estar a beber da experiência de toda a gente.    

Não é inocente. Sou eu a aparecer ao mundo novamente, como eu, o verdadeiro Eu. 

E o meu Eu anda furioso e descontrolado. Mas se calhar também era preciso, não?

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Sick to my stomach

Olá meus caros,

Esta noite senti-me mesmo maldisposta.
Foi terrível.
Fisicamente muito maldiposta.

Passei de um dia super atarefado e bom até um certo ponto. Retomei contactos antigos (nem sempre constantes porque a vida acontece). Mas tentei. Ando a tentar fazer pela vida. Manter e alimentar amizades, recuperar contactos antigos. Eu sou eu. Não sou apenas a família, mãe de, mulher de. Cheia de obrigações e deveres.

Existo Eu também. Tem sido um longo caminho interior e cheira-me que isto é só o início.

Mas hoje, de repente, sem que nada o fizesse prever, senti-me fisicamente maldisposta. Muito. E tive de correr para a casa-de-banho onde saiu de tudo.

De repente, senti-me exausta.

Espero que tudo o que saiu me tenha deixado vazia a sério. Sem nada mais para oferecer ou receber.

Amanhã é um novo dia. 
(Ou será que é O Dia? Ou o início dos Dias Que Se Seguirão?)

Não quero saber.





quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Cenas mundanas

 O meu mais velho a olhar para as minhas mãos:

- Mãe, porque tens o dedo vermelho? 

(parece que estou a contar a história do Lobo Mau ahahaha)

- Por nada de especial rapaz, deve ser do meu batom. Pus à bocado e espalhei com o dedo.

- Do meio?...

- Sim...

- Porque metes batom? Estás agora a comer e praticamente já não o tens.

- Pois... raio dos batons. No dedo de facto não sai, já lavei as mãos várias vezes e isto continua assim... Se calhar devia ter os lábios nos dedos ahahha

- Já reparaste que comes batom a toda a hora?

- Já.

- Não te incomoda?

- Não.

- Não deve fazer bem...

- Os cremes (e coisas de maquilhagem) que toda a gente usa também não. E usam-se diariamente. Os desodorizantes idem (a não ser aqueles bem naturais que custam 10 euros e depois deixam-te a cheirar a transpiração na mesma...). É uma escolha. Fumar era pior, se calhar...


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(noutro dia)

- Mãe, anda, despacha-te, tens de me ir levar! Rápido!

- Opa, já vou, calma. Estou só a por isto...

- Batom? Mas para quê??!! Nem vais sair do carro... Achas que alguém te vai ver??

- Sim, as pessoas, do outro lado da janela ou vidro.

- Ninguém vai olhar para ti, anda!

- Ai... estou a ir. Mas tenho de ir com a cara mais "alegre".

- Porquê?

- Porque senão parece que morri... Estou pálida e cheia de olheiras. Isto "aviva-me" a coisa.

- Estás igual à de sempre...

- A sério? Não notas diferença quando estou maquilhada ou quando não estou?

- Não... ficas igual. É igual.


(Anda uma pessoa a esforçar-se para nada afinal... lol)


E viva a motivação...!


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Ando cheia de olheiras há uns dias. Não consigo não olhar para elas sempre que olho ao espelho. A noite passada sei bem porque elas existiram. O meus vizinhos do lado estão cá novamente e têm o péssimo hábito de falar super alto, seja a que horas for. Ele está agora reformado, ela sempre foi dona de casa, os filhos estudam fora há anos (agora já trabalham) e eles estão sempre os 2 sozinhos na maior parte do tempo. São uns porreiros... mas não se calam! Não percebo o que têm assim tanto para dizer às 2h ou 3h. Está um silêncio brutal nas casas todas e só oiço a voz deles a discutir algo. Arghhhhhhh


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O raio do burro também não se cala. É o dia e a noite toda... E eu a achar que era ótimo viver no campo com animais...

terça-feira, 9 de setembro de 2025

O cheiro

O cheiro é uma coisa importante.

É talvez o mais invisível dos sentidos, é aquele que mais depressa nos transporta para lugares, memórias e emoções. Há algo de muito íntimo e imediato no ato de cheirar: não vemos nem tocamos, mas deixamo-nos atravessar por um sentido que conta histórias.

O cheiro de uma pessoa é um território que pode ser de proximidade e mistério (ou de repulsa, já o experimentei no passado). Cada corpo tem a sua assinatura, uma mistura única de pele, tempo e vida (quem nunca ouviu o célebre "naquela casa cheirava a velhos" ou o "aquele cheiro maravilhoso a bebé..."). Reconhecemos os que amamos não só pela voz ou pelo olhar, mas também pelo cheiro subtil (às vezes não tão subtil assim) que deixam no ar, aquele inprint invisível.

Outro cheiro que nos atinge a alma, para mim, é o cheiro da terra. É um regresso ao princípio. Quando a terra está húmida abre-se um aroma peculiar, sentimos que algo ancestral desperta em nós: por todo o nosso corpo passam memórias inarticuladas de raízes, florestas antigas, colheitas. É o cheiro de um ciclo que nunca termina.

Há também um dos meus cheiros preferidos: o do bolo acabado de sair do forno. Espalha-se pela casa uma alegria quente, um cheiro que aquece e que é cuidado e generosidade. Para mim, este cheiro cheira melhor no inverno. Uma fatia de bolo acabado de fazer, comida quando estamos sentados num sofá, cobertos por uma manta confortável... é um bolo que nunca cheira apenas a bolo. Cheira a infância, por vezes a avós, e a um tempo suspenso em que tudo parece seguro.

Há ainda o cheiro da pele saída do duche. Fresca, limpa, quase etérea. O corpo ganha uma nova pele, pronta a enfrentar o mundo. Há poucos dias o meu picachu pequeno disse-me uma coisa gira: foi comigo ao supermecado e quando estavamos a cheirar alguns Gel Duches para levar, ele cheirou um em particular que às vezes uso e disse "Este cheira a ti!!". Fiquei supresa. Eu cheiro a alguma coisa específica? Ele consegue cheirar uma camisola minha (entre outras de outras pessoas) e saber que é minha? (Eu consigo identificar pelo cheiro uma camisola que seja da minha mãe; faço-o de olhos fechados em poucos segundos). Não lhe perguntei isso e jamais irei saber, mas ele depois disse-me a rir: "Cheiras a isto sempre que sais do banho". 😍

(Haja alguma coisa positiva, então, no ato de me enfiar numa banheira viscosa e escorregadia...)

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Ficção - parte 1 - O sangue

17 agosto


São 2h da manhã. Não consigo dormir mais uma vez e vou ao wc. Olho-me ao espelho para ver se a minha cara revela o ar da minha alma cansada. Não revela. Às vezes nem sei como.

O meu ar é de sono sim, mas curiosamente tenho apenas um ar de menina de cara lavada. Gosto deste meu ar. Adoro maquilhar-me, mas há algo em mim quando acordo de manhã (embora agora não esteja a ver-me depois de uma noite bem dormida): um ar limpo, a pele que parece ainda reconchuda talvez do descanso da noite, antes de se deixar abater com o resto do dia. Gosto deste meu ar "limpo" de menina tanto quanto gosto do meu ar mais trabalhado de modo a realçar olhos e outras partes do rosto. Volto para a cama. Rebolo ali até de manhã, vou vendo a luz forte lá de fora a crescer cada vez mais. São horas de levantar. Ainda bem.


Estou agora na rua. Vejo-me mais uma vez no reflexo de uma vitrine. Confesso que adoro fazê-lo mas apenas quando me sinto bonita. E estou bonita. Tenho apanhado algum sol nos meus passeios e já não estou tão pálida, o cabelo está super comprido e aquece-me as costas de onde escorrem milhares de gotas de suor. Aproximo-me do meu reflexo e reparo nos meus olhos bonitos, tento perceber o que é que os outros verão quando olham para mim. 

Não vêem nada. Ninguém vê o que não deixamos.

Neste momento só vêem cansaço e algum mau humor. Os meus olhos meigos e simpáticos continuam ali. Tal como o meu coração que pinga sangue profusamente. 

É curioso como ninguém vê, como disfarço bem, o que me faz pensar em todos aqueles a quem o mesmo acontece, a quem segue e sorri mesmo nos dias difíceis. Mas ninguém vê não (felizmente, acho) aquela poça de sangue que se criou atrás de mim, a cauda do sangue que escorre do meu coração para a barriga, pernas e depois para o chão. É como uma sombra. Segue-me agora para todo o lado. Convivo com ela.

Há dias em que convivo melhor, tento esquecer (e oh se eu sou boa no treino para isso), outros dias em que convivo francamente mal.

Eu e a minha sombra de sangue. 

Que poético, não é?

quinta-feira, 31 de julho de 2025

O poema

 (Conto 3)


E ela entrou na sala. Vestia um vestido simples. O cabelo comprido e castanho escuro tinha sido seco há minutos e esvoaçava ligeiramente ao pé da janela aberta que dava para uma colina verdejante. Estavam num apartamento pequeno durante apenas uns 3 dias, fim de semana prolongado. Daqueles fins de semana algures longe de tudo, em que só se ouve o silêncio e os grilos lá fora. Aqueles em que o calor aperta e o tempo pára.

Alheia a qualquer olhar ela parou em frente à janela e respirou o ar puro. Nada batia as flores e o verde à sua frente. A mente dela esvaziou-se e nada existia, apenas aquele impulso imperioso dos pulmões a respirar ar puro. Quase fechou os olhos... Adorava momentos de silêncio quase tanto como adorava o rebuliço de pessoas à sua volta, ou o som potente de música a tocar.

Silenciosamente como sempre, ele observava-a, sentado numa cadeira, parando o que estava a fazer. Não com apetite voraz. Mas como quem olha uma obra de arte, a absorver o modo como a franja lhe caía teimosamente sob o olho esquerdo, como o tecido do vestido lhe abraçava o contorno do rabo e das pernas, o modo como ela se movia lenta e pensativamente.

Ela sorriu então e lembrou-se das palavras dele um dia:

"Tu és um poema."

E era assim que ela se sentia sempre que ele a olhava silenciosamente daquele modo...

Ela seria sempre um poema, o poema dele.