PARTE 1
Estou para escrever isto há algum tempo. Ontem achava que já não ia escrever mais aqui. Não tinha mais nada para dizer. Mas tenho e é sobre tópicos que sempre me interessaram: beleza, inclusão, propósito, pertença.
Há umas semana andei a ver cá em casa este programa (sul)coreano https://www.netflix.com/pt-en/title/81728365 (ver trailer ali)
Isto foi um êxito cá em casa. Ao fim de semana (ou quando apanhámos feriados) lá nos reuniamos todos na sala a ver isto. Os miúdos andavam malucos e eu então... Embora agora tenha mais restrições alimentares ver a competição era fascinante: ver modos incríveis de cozinhar comidas que não me são familiares, ver a competição em si, saber as histórias dos candidatos, apostar em quem ia sair ou não... e principalmente torcer pelo underdog. Eram chefes reconhecidos com vários estrelas (os bata branca) contra chefes incríveis ainda com restaurantes desconhecidos ou pequenos que cozinhavam bem mas não eram conhecidos (os de bata negra).
Cada um com a sua história: um que era influencer e ninguém o levava a sério, o outro que aprendeu a cozinhar seguindo livros de manga coreanos - de cozinha - (não fazia ideia de que isso existia sequer), outra senhora que era cozinheira numa cantina, outra que era especialista em apenas dumplins na aldeia da sua terra; e outros que eram renomados chefes que já tinha vencido vários concursos, tinham livros escritos, eram lendas vivas, etc e tal.
Curioso também: ver e ouvir falar de ingredientes que não faço ideia do que são e que nunca vou comer (acho eu, nunca digas nunca, tudo na vida é possível - uma vez a senhora russa da limpeza do sítio onde eu trabalhava trouxe-me uma delicatessen russa: pão barrado com carradas de manteiga e caviar por cima!! Meus Deus! que maravilha!! - nunca mais comi caviar na vida diga-se, mas valeu aquele momento).
No meio da competição, a certa altura, um dos desafios era fazer um prato que os definisse, ou que tivesse a ver com o percurso de vida deles. Ao apresentarem o prato que tinham feito, cada um falou então sobre si próprio e todos acabaram por afastar um bocado a máscara que todos temos e revelar um bocadinho a alma também - o que é muito comovente de ver. (só não chorei abertamente em algumas partes porque ia ser gozada à grande pelos miúdos)
Um dos candidatos que me comoveu mais foi estes rapaz: https://www.tiktok.com/@netflixmy/video/7426590706908630290
O nome de guerra dele ali era Cooking Maniac (nenhum dos candidatos podia revelar o seu verdadeiro nome, só se chegassem à final). Um rapaz novinho, cabelo pintado de loiro, cheinho, sofria para xuxu sempre que era avaliado. Enfim. Um rapaz super normal (aos meus olhos pelo menos). Pois a história deste rapaz incluía bullying por ser feio. Sim... feio. No restaurante onde ele trabalhava muitas vezes as pessoas não queriam que ele explicasse a ementa (acho que era assim a história) porque não gostavam do ar assustador que ele tinha... Ele usou a palavra feio para se definir várias vezes. Eu estava de coração apertado por ele. Mas porque é que um rapaz normalíssimo se achava assim tão feio... Como é que as pessoas enfiaram naquela alma essa noção de certeza absoluta que ele assim o era. E... assustador? what? Ok, não era muito sorridente de facto, mas não vi ali candidatos que o fossem abertamente e não sei como são os sul coreanos no geral. Para mim era um tipo sério, asiático, não era magro, mas também não era gordo, com o cabelo amarelo, que adorava cozinhar. Ponto final.
O ar magoado dele a falar nessas agruras da vida incomodaram um bocadinho o meu coração confesso. Talvez por já ter sido também chamada de coisas menos simpáticas no meu passado. Juro que não percebo a forma gratuita como as pessoas dizem certas coisas.
Ele claramente sentia-se o underdog do sítio. Por um lado tinha confiança nas suas capacidades, por outro sentia que era o perdedor, aquele que nunca vai vencer. Não era verdade. Mas por vezes penso que muitos de nós nos sentimos assim...
PARTE 2
Eu sinto e luto constantemente para contrariar isso. É aquele síndrome chato de impostor. O diabinho em cima do ombro que nos sussura "nunca vais conseguir", em oposição ao anjinho que tenta gritar: "não é verdade, vais sim! persiste!".
O problema às vezes nem é persistir, é não saber o que queremos fazer. Aqui há tempos calhou ver uma entrevista com a atriz Inês Aires Pereira. O ar dela angustiado a dizer que não sabia o que fazer na vida, o que era suposto fazer, o seu propósito... bateu-me. Nem eu. Não sei o que quero ser "quando for grande". Durante uns tempos achei que sabia e fui andando. Estava confiante. Agora já não sei. Voltei à estaca zero. Há quem diga que evoluir e crescer é isso, que o nosso percurso não é uma recta sempre a subir, tem avanços e recuos. Mas bolas... caminhar o nosso caminho custa e muito (tanto a nível profissional como pessoal). E isso angustia-me. Gostava de saber o que vem aí.
Profissionalmente... sou boa em quê, a fazer o quê? Alguém me vê realmente?
E... qual o meu propósito. Na vida e em tudo. É suposto eu estar aqui a fazer o quê?... Sou mais uma no meio da carneirada? Ou vou conseguir destacar-me em alguma coisa? E destacar significa o quê? destacar-me para as pessoas à minha volta ou para as pessoas além fronteiras?
Tenho fome. Muita fome. De tudo. De viver e conhecer. De ver e sentir. De amar e ser amada. Tenho muita muita fome. Mas às vezes nem sei bem que fome é esta, de onde vem e claro... angústia... para onde me levará. Ou se me levará a algum lado.
Ter tudo em aberto é uma droga viciante. Porque tudo é possível. Mas... e se não for? E se nem tudo for possível (nem sei bem o quê). Confesso que nunca tive objetivos de vida ou profissionais muito definidos. Sempre fui andando e decidindo à medida que ia. Será que é suposto ser assim? Ou temos de definir um objetivo muito claro e levar tudo à frente. Por outro lado os nossos objetivos mudam consoante os anos passam...
Depois vem o sentimento... aquele do qual nunca falei. Aquela infinita sensação de que não pertenço a lado nenhum. Não encaixo verdadeiramente em lado nenhum. Disfarço bem com o meu lado social. Mas sei que não pertenço verdadeirmente a lado nenhum. Deve ser por isso que a minha alma está sempre inquieta, sempre à procura, quer ver sempre mais, talvez um dia chegue ao lugar onde pertenço, talvez não. Talvez isso não exista. Talvez o suposto seja andarmos precisamente a procurar e descobrir. Talvez um dia quando for velhinha (hope so) olhe para trás e descubra que afinal tudo pelo que passei fez sentido e que pertenço ao mundo. Ou que simplesmente pertenço a mim própria apenas.
God... isto é muito confuso. E cansativo.
Preciso de férias. Sozinha de preferência. Numa cabana de madeira, no meio de uma floresta, com um lago calmo ali perto, um pequeno barco para poder remar, uma cadeira lá fora, um livro na mão... e vá... um casaquinho para quando começar a arrefecer à noite.
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