17 agosto
São 2h da manhã. Não consigo dormir mais uma vez e vou ao wc. Olho-me ao espelho para ver se a minha cara revela o ar da minha alma cansada. Não revela. Às vezes nem sei como.
O meu ar é de sono sim, mas curiosamente tenho apenas um ar de menina de cara lavada. Gosto deste meu ar. Adoro maquilhar-me, mas há algo em mim quando acordo de manhã (embora agora não esteja a ver-me depois de uma noite bem dormida): um ar limpo, a pele que parece ainda reconchuda talvez do descanso da noite, antes de se deixar abater com o resto do dia. Gosto deste meu ar "limpo" de menina tanto quanto gosto do meu ar mais trabalhado de modo a realçar olhos e outras partes do rosto. Volto para a cama. Rebolo ali até de manhã, vou vendo a luz forte lá de fora a crescer cada vez mais. São horas de levantar. Ainda bem.
Estou agora na rua. Vejo-me mais uma vez no reflexo de uma vitrine. Confesso que adoro fazê-lo mas apenas quando me sinto bonita. E estou bonita. Tenho apanhado algum sol nos meus passeios e já não estou tão pálida, o cabelo está super comprido e aquece-me as costas de onde escorrem milhares de gotas de suor. Aproximo-me do meu reflexo e reparo nos meus olhos bonitos, tento perceber o que é que os outros verão quando olham para mim.
Não vêem nada. Ninguém vê o que não deixamos.
Neste momento só vêem cansaço e algum mau humor. Os meus olhos meigos e simpáticos continuam ali. Tal como o meu coração que pinga sangue profusamente.
É curioso como ninguém vê, como disfarço bem, o que me faz pensar em todos aqueles a quem o mesmo acontece, a quem segue e sorri mesmo nos dias difíceis. Mas ninguém vê não (felizmente, acho) aquela poça de sangue que se criou atrás de mim, a cauda do sangue que escorre do meu coração para a barriga, pernas e depois para o chão. É como uma sombra. Segue-me agora para todo o lado. Convivo com ela.
Há dias em que convivo melhor, tento esquecer (e oh se eu sou boa no treino para isso), outros dias em que convivo francamente mal.
Eu e a minha sombra de sangue.
Que poético, não é?
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