"Já salvaste a vida de alguém?"
No outro dia, nas redes sociais, alguém perguntava isto a uma pessoa.
Eu poderia ter perfeitamente dito: "Já. E se calhar não foi só uma, foram duas".
Era de dia. Estava no carro a guiar, ia com o mais novo a algum sítio, já não me lembro onde. Lembro bem do local onde estavámos. É uma estrada comprida onde os carros a certa altura têm a tendência de acelerar porque podem. A meio desse troço há um semáforo que raramente vejo com sinal vermelho aberto, curiosamente.
Nesse dia, no entanto, tive de parar aí, luz vermelha on, e esperei pacientemente enquanto ia falando de alguma trivialidade com o meu rapaz que estava sentado comodamente na cadeirinha no banco de trás. Enquanto ia falando com ele ia fazendo automaticamente o que faço sempre: olhos postos em frente, atrás, de lado.
Sem pensar muito no que estava a acontecer vejo uma rapariga com ar um bocado aéreo a começar a atravessar a passadeira à minha frente. Levava com ela uma criança pequena (uns 2 anos), empurrada num carrinho frágil tipo "bengala". Tudo tranquilo.
Ao mesmo tempo, pelo espelho retrovisor, começo a ver uma ambulância a surgir ao longe, na minha faixa. Aproximava-se com pressa. Assim que começou a chegar mais perto ligou a sirene. O barulho era, como sempre, aflitivo. Começou a aumentar a velocidade e a preparar-se para me passar pelo lado esquerdo (não havia ninguém na faixa contrária à minha, eu não precisava de me desviar).
Voltei a olhar para a rapariga que estava a meio da passadeira, ainda com um ar super aéreo de quem pensava na vida e não estava mesmo ali.
Pensei: "Ela está a ouvir a sirene cada vez mais perto, certo?". Também pensei "Será que a ambulância a vê? Estarei eu a tapá-la?".
Isto foram frações de segundos literalmente. Comecei a mexer-me no assento do carro a pensar que se ela não parasse a criança (que ia à frente dela) ia ser levada com toda a força. Não ia ser bonito. A velocidade da ambulância era um exagero... e às vezes não percebo como é que se vê um carro parado num semáforo e não se filtra que pode estar alguém a passar nesse momento.
Comecei a apitar. Primeiro um toque ou outro a ver se a rapariga acordava para a vida. Depois, como de facto ela não descia à terra, comecei a apitar descontroladamente! Era mesmo para ela se assustar. E talvez a ambulância ouvisse e começasse a travar. Nem ela parou, nem a ambulância.
Só me lembrei de continuar com a mão na buzina e de arrancar um bocado com o carro, tipo solavanco. Aí ela viu aquela máquina preta a mexer-se mesmo ao pé dela e parou. Finalmente...
Não estou a exagerar: quando ela parou, com a criança no carrinho mesmo memso quase a passar o meio da passadeira, a ambulância voou por nós.
Acho que deixei de respirar nesse segundo.
O mais curioso é que a ambulância não se apercebeu de nada e a rapariga continuou, depois, a passar como se nada fosse. A criança essa, coitada, inocente para a vida (e para a morte) continuou a mexer num brinquedo que tinha na mão. A vida seguia.
A rapariga nunca olhou para mim. Nunca deu sinal de ficar alarmada. Ainda hoje acho que não percebeu ao que se escapou.
Não sei se ela teria tido morte certa.
Já a criança...
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