Aqui há uns anos escrevi isto que se segue. Gostei de reler.
BELEZA
"A beleza
está nos olhos de quem a vê".
"A beleza é subjectiva."
"Quem ama o feio bonito lhe parece."
Serão verdadeiras estas frases? Penso que sim. Nos meus sábios, ou nem por
isso, 35 anos, se há coisa que aprendi é que a beleza imediata e física dura
uns minutos. Pronto, uma semana. Ou duas. Ou um mês. Mas o que de facto
nos prende a alguém, seja um namorado, amigo ou familiar, é a sua
personalidade. Isso determinará o sucesso da relação. Porque quando se
gosta de alguém conseguimos sempre encontrar algo de belo nela.
A beleza é um tema de amor/ódio para mim. Amo-a e odeio-a. Amo-a porque adoro
coisas bonitas: sejam elas em forma de arte (bolas, lá vamos parar à
subjectividade outra vez), aos traços físicos de alguém, à comida, a
uma imagem, a um cheiro. Tudo isso pode ser Beleza simplesmente porque nos
provoca prazer. E a beleza supostamente provoca sempre prazer.
Mas houve uma altura em que falar nisso era uma tortura. Falar em beleza era
admitir que eu não fazia parte dela de modo algum. E essa demarcação durou uns
8 anos, desde os meus 12 aos 20. Não sei se chegou a tão tarde, mas só a
partir dessa altura é que consegui olhar para mim e aceitar que o que via
nas fotografias era o que via ao espelho. Era eu e tinha de gostar dos meus
traços.
Hoje em dia fala-se em bullying como se fosse um novo conceito
que só agora surgiu. Caramba, isso existe desde que existem putos estúpidos. E
putos (ou p..as) estúpidos existem desde sempre, apenas não havia um nome
pomposo para o sofrimento que causavam, nem o mundo todo (net, facebooks, etc)
a tomar conhecimento disso.
Desde que nasci, sempre fui uma criança engraçada. Era magricela, carinha laroca, por vezes parecia
uma rapazinho bonito mas apenas porque os meus pais adoravam que eu tivesse
cabelo curto (imagino que a minha cabeleira farta dava trabalho). Sempre fui
bem comportada, muito caladinha, não tinha irmãos e sempre me habituei a estar
comigo, a entreter-me sozinha. Digo muitas vezes que se fosse parar a uma ilha
deserta sobreviveria na boa apenas na minha companhia.
Era a miuda gira e engraçada para a minha família, para os amigos dos meus
pais, e imagino que para os meus colegas de escola. Pelo menos tive alguns
admiradores que me deram coisas como lápis bonitos com borracha em forma
de coração. Depois houve um dia, em que, com 6 anos, alguma pseudo-amiga
decidiu que eu tinha de casar com X (acho que se chamava Francisco) e eu fiquei
tão assustada porque não queria ser obrigada, que fugi a setes pés e só daí a
uma hora me encontraram. Mas, anyway, foi graças a essa carinha
laroca e simpática que tive a minha primeira paixoneta com 6 anos e dei o meu
primeiro beijinho, nessa altura, ao Leopoldo (rapaz que consegui descobrir na
net há uns 2 anos e que nem se lembrava que eu existia nessa altura... se
frustração matasse...) o rapaz cool da altura. Eu era a
eleita. E mal sabia eu que essa honra me seria negada por muitos anos a seguir.
Chegada aos 11...12 anos, começou o caos. Se o meu corpo florescia em todo o seu esplendor
(sempre fui magra e, segundo a minha família: elegante), a minha cara parecia
uma obra de Picasso em evolução (e não positiva). Passei de uma carinha redonda
e pele macia para uma cara assimétrica, esquisita e cheia de pequenas montanhas
que teimavam em não desaparecer (pelo contrário) com as hormonas em grande
revolução.
Infelizmente, foi nessa altura também que as minhas hormonas descobriram os
livros eróticos, os rapazes giros da escola, e descobriram também o que era ser
sempre a melhor amiga da rapariga gira. Esse foi o meu calvário durante anos a
fio... A diferença entre essa altura e agora, é que agora assumo que elas eram
de facto muito mais giras e carismáticas do que eu, mas que a partir dos vinte
e poucos anos também eu passei a ser carismática (lá dei a volta à timidez) e
gira, e a não ter problemas em arranjar namorado, e a ser concorrência tão
forte como as outras. Também aprendi, entretanto, que não foi por terem
beleza que a vida das "amigas bonitas" lhes correu melhor.
Como tudo, tudo tem prós e contras.
A minha técnica então - a sobrevivência é uma coisa fascinante - era ser a
melhor amiga dos rapazes. Era mais uma "one of the guys" versão
feminina bem estranha. Tinha as melhores conversas do mundo, mas nunca era
procurada nos bailaricos das festas para dançar. Lembro-me de ser uma de 2 ou 3
gatas pingadas, numa festa do aldeamento onde morava, em que estava perdida de
amores por um vizinho meu que tinha olhos para todas, menos para mim.
A coisa boa disso? desenvolvi o fenómeno chamado thick skin,
que me tem servido de muito quando a rejeição bate à porta, seja amorosa, seja
profissional, seja do que for. O que não nos mata torna-nos mais fortes, certo?
Hojes tou cheia de frases boas...
Presunção e água benta, cada um toma a que quer...
Um dia, resolvi, novamente perdida de amores pelo miúdo mais badalado do 8º
ano, escrever um bilhete de amor, no Dia dos Namorados. Consciente de que era a
"miúda feia" escrevi o bilhete anonimamente. Mas, ou não fui esperta
o suficiente, ou os outros eram de facto mentes brilhantes (e perversas)
e, no dia a seguir, já toda a gente sabia que era eu quem tinha escrito o
raio do bilhete. Hoje penso que foi o meu ar apaixonado e comprometido que me
denunciou. Ainda me lembro dos olhares de gozo e das bocas foleiras que ouvi
por causa desse episódio. Ainda tive esperança que o rapaz em questão viesse
falar comigo. Nem que fosse agradecer o bilhete tão querido que eu lhe
escrevera (já não me lembro do que escrevi). Mas hoje em dia também sei que as
alminhas dos jovens não dá para muito nessa altura. Por isso, perdoo o rapaz
lol. O que não não esqueço é ter 2 turmas inteiras a gozar comigo. Também
não esqueço que, já na escola da Madorna (onde hoje sei que
me passaram ao lado imensas pessoas lindas - fisicamente e de coração
- que actualmente já conheço) fui alvo de chacota pública por não ser gira como
as "miúdas das motas". A palavra "feia" foi-me atirada à
cara vezes sem conta, sem qualquer cerimónia. Muitas vezes vezes desejei que
eles morressem decapitados por uma viga a cair de um prédio em construção...
O engraçado é que eu olhava para o espelho e perguntava-me onde estava essa
pessoa feia. Só via os olhos meigos e traços finos. Mas lembro-me do dia em que
tive um choque de realidade. Tinha uns 15 ou 16 anos. Eram os meus anos.
Tinha nessa altura, e contra a vontade dos meus pais, deixado crescer o cabelo.
Ia sair a jantar com a minha família e sentia-me linda. Estava com um fato giro
(achava eu lol), maquilhada (sempre adorei ter uma tela, e a minha cara era
isso mesmo), com o cabelo lindo (achava eu...este também sofreu com as
hormonas), e, volto a dizer, sentia-me linda, linda. E o meu pai tirou-me uma
foto, eu toda sorridente no dia dos meus anos.
Quando passados uns dias veio a revelação da bendita foto... O meu queixo ia
caindo... A rapariga linda que tinha visto ao espelho, afinal era um sapo (ou
sapa neste caso) grotesco, de cara magra, sorriso estranho e picassiano, dentes
encavalitados. Não sei, mas parecia o resultado de uma fotografia rasgada e
amarfanhada. Pela primeira vez vi o que viam os outros. E dei-lhes razão. E
doeu. Afinal eu era mesmo a rapariga feia.
Desde então procurei não olhar-me muito ao espelho. Para quê? aquilo que eu via
afinal era uma ilusão. Eu amava-me (felizmente, penso agora, para meu grande
contentamento, sei que já nessa altura tinha alguma confiança em mim) e por
isso via no feio em mim o bonito. Quem ama o feio, bonito lhe parece, não é?
Mas eu tenho um mecanismos de defesa fenomenal. E passados um dia ou dois, já
tinha esse desgosto bem enterrado no meu baú do que "não se deve
pensar/lembrar demasiado, fingir que não aconteceu". E assim, foi mais
fácil receber os socos psicológicos que me acompanharam por muitos anos. (E
assim foi fácil aguentar um aparelho idiota nos dentes durante 3 anos, sendo já
uma mulher adulta).
Felizmente sempre tive amigos que viram em mim o que interessava, uma pessoa
com quem se divertiam. Eu via o mesmo neles, fossem bonitos ou não. Fui
descobrindo ao longo da vida que toda a gente tem traços bonitos. Não é preciso
ser-se perfeito, porque efectivamente a perfeição é aborrecida, já não há nada
a melhorar. E só não é bonito "quem não quer" - acredito piamente
nisto. Porque todos podemos enaltecer os nossos melhores traços, vestir-nos de
modo a favorecer o nosso corpo. E mesmo numa cara menos agradável, há sempre a
boca que é bonita, ou os dentes perfeitos, ou o sorriso lindo (seja porque é
Pepsodente ou porque simplesmente é maroto), ou o cabelo fantástico, ou o
formato da cara, ou as sobrancelhas bonitas, ou o desenho lindo dos olhos, ou a
cor deles. Mas sobretudo há a beleza interior (e isto não é conversa barata)
que é transmitida por esse traços. Porque uns olhos esteticamente bonitos numa
pessoa fria, egoísta, ou má, não são belos.
E fisicamente podemos sempre corrigir-nos: se somos gordos podemos emagrecer,
se somos flácidos podemos enrijecer. E no máximo, hoje em dia, se não gostarmos
do nosso nariz podemos tirar-lhe uma "fatia". O que não podemos é
embelezar uma pessoa feia de coração.
Um dia, irritada e zangada por tanta falta de apreço por parte do sexo
masculino, decidi amaldiçoar essa raça que só via beleza nas outras raparigas.
Jurei que um dia ia passar de patinho feio para cisne e ia fazer a vida negra a
muita gente.
Claro que não foi bem assim lol. Mas já beijei alguns sapos e encontrei alguns
príncipes entre eles desde esses dark ages lol. Fiz
sofrer alguns rapazes, mas sofri também. Rejeitei e fui rejeitada, mas também
amei e fui amada. Mas também descobri que melhor do que ser bonita (não é o
caso, mas lá está, se assim o desejar nao há nada que uma boa maquilhagem e atitude
não faça), é ser bonita e cool, ser bonita e generosa, ser bonita e
boa ouvinte, etc, etc. Ser tudo o que podemos ser de melhor.
Sei que não sou perfeita, a nenhum nível, mas acho que já sei quem sou, e posso
contar comigo mais do que com qualquer outra pessoa. E sei, mais do que nunca,
tenho a certeza disso, que a beleza está nos olhos de quem a vê.
Sem comentários:
Enviar um comentário