quarta-feira, 12 de março de 2025

Beleza

Aqui há uns anos escrevi isto que se segue. Gostei de reler.


BELEZA


"A beleza está nos olhos de quem a vê".
"A beleza é subjectiva."
"Quem ama o feio bonito lhe parece."

Serão verdadeiras estas frases? Penso que sim. Nos meus sábios, ou nem por isso, 35 anos, se há coisa que aprendi é que a beleza imediata e física dura uns minutos. Pronto, uma semana. Ou duas. Ou um mês. Mas o que de facto nos prende a alguém, seja um namorado, amigo ou familiar, é a sua personalidade. Isso determinará o sucesso da relação. Porque quando se gosta de alguém conseguimos sempre encontrar algo de belo nela.
A beleza é um tema de amor/ódio para mim. Amo-a e odeio-a. Amo-a porque adoro coisas bonitas: sejam elas em forma de arte (bolas, lá vamos parar à subjectividade outra vez), aos traços físicos de alguém, à comida, a uma imagem, a um cheiro. Tudo isso pode ser Beleza simplesmente porque nos provoca prazer. E a beleza supostamente provoca sempre prazer.

Mas houve uma altura em que falar nisso era uma tortura. Falar em beleza era admitir que eu não fazia parte dela de modo algum. E essa demarcação durou uns 8 anos, desde os meus 12 aos 20. Não sei se chegou a tão tarde, mas só a partir dessa altura é que consegui olhar para mim e aceitar que o que via nas fotografias era o que via ao espelho. Era eu e tinha de gostar dos meus traços.
Hoje em dia fala-se em bullying como se fosse um novo conceito que só agora surgiu. Caramba, isso existe desde que existem putos estúpidos. E putos (ou p..as) estúpidos existem desde sempre, apenas não havia um nome pomposo para o sofrimento que causavam, nem o mundo todo (net, facebooks, etc) a tomar conhecimento disso.

Desde que nasci, sempre fui uma criança engraçada. Era magricela, carinha laroca, por vezes parecia uma rapazinho bonito mas apenas porque os meus pais adoravam que eu tivesse cabelo curto (imagino que a minha cabeleira farta dava trabalho). Sempre fui bem comportada, muito caladinha, não tinha irmãos e sempre me habituei a estar comigo, a entreter-me sozinha. Digo muitas vezes que se fosse parar a uma ilha deserta sobreviveria na boa apenas na minha companhia.
Era a miuda gira e engraçada para a minha família, para os amigos dos meus pais, e imagino que para os meus colegas de escola. Pelo menos tive alguns admiradores que me deram coisas como lápis bonitos com borracha em forma de coração. Depois houve um dia, em que, com 6 anos, alguma pseudo-amiga decidiu que eu tinha de casar com X (acho que se chamava Francisco) e eu fiquei tão assustada porque não queria ser obrigada, que fugi a setes pés e só daí a uma hora me encontraram. Mas, anyway, foi graças a essa carinha laroca e simpática que tive a minha primeira paixoneta com 6 anos e dei o meu primeiro beijinho, nessa altura, ao Leopoldo (rapaz que consegui descobrir na net há uns 2 anos e que nem se lembrava que eu existia nessa altura... se frustração matasse...) o rapaz cool da altura. Eu era a eleita. E mal sabia eu que essa honra me seria negada por muitos anos a seguir.

Chegada aos 11...12 anos, começou o caos. Se o meu corpo florescia em todo o seu esplendor (sempre fui magra e, segundo a minha família: elegante), a minha cara parecia uma obra de Picasso em evolução (e não positiva). Passei de uma carinha redonda e pele macia para uma cara assimétrica, esquisita e cheia de pequenas montanhas que teimavam em não desaparecer (pelo contrário) com as hormonas em grande revolução.
Infelizmente, foi nessa altura também que as minhas hormonas descobriram os livros eróticos, os rapazes giros da escola, e descobriram também o que era ser sempre a melhor amiga da rapariga gira. Esse foi o meu calvário durante anos a fio... A diferença entre essa altura e agora, é que agora assumo que elas eram de facto  muito mais giras e carismáticas do que eu, mas que a partir dos vinte e poucos anos também eu passei a ser carismática (lá dei a volta à timidez) e gira, e a não ter problemas em arranjar namorado, e a ser concorrência tão forte como as outras. Também aprendi, entretanto, que não foi por terem beleza que a vida das "amigas bonitas" lhes correu melhor. Como tudo, tudo tem prós e contras.

A minha técnica então - a sobrevivência é uma coisa fascinante - era ser a melhor amiga dos rapazes. Era mais uma "one of the guys" versão feminina bem estranha. Tinha as melhores conversas do mundo, mas nunca era procurada nos bailaricos das festas para dançar. Lembro-me de ser uma de 2 ou 3 gatas pingadas, numa festa do aldeamento onde morava, em que estava perdida de amores por um vizinho meu que tinha olhos para todas, menos para mim.
A coisa boa disso? desenvolvi o fenómeno chamado thick skin, que me tem servido de muito quando a rejeição bate à porta, seja amorosa, seja profissional, seja do que for. O que não nos mata torna-nos mais fortes, certo?
Hojes tou cheia de frases boas...
Presunção e água benta, cada um toma a que quer...

Um dia, resolvi, novamente perdida de amores pelo miúdo mais badalado do 8º ano, escrever um bilhete de amor, no Dia dos Namorados. Consciente de que era a "miúda feia" escrevi o bilhete anonimamente. Mas, ou não fui esperta o suficiente, ou os outros eram de facto mentes brilhantes (e perversas) e, no dia a seguir, já toda a gente sabia que era eu quem tinha escrito o raio do bilhete. Hoje penso que foi o meu ar apaixonado e comprometido que me denunciou. Ainda me lembro dos olhares de gozo e das bocas foleiras que ouvi por causa desse episódio. Ainda tive esperança que o rapaz em questão viesse falar comigo. Nem que fosse agradecer o bilhete tão querido que eu lhe escrevera (já não me lembro do que escrevi). Mas hoje em dia também sei que as alminhas dos jovens não dá para muito nessa altura. Por isso, perdoo o rapaz lol. O que não não esqueço é ter 2 turmas inteiras a gozar comigo. Também não esqueço que, já na escola da Madorna (onde hoje sei que me passaram ao lado imensas pessoas lindas - fisicamente e de coração - que actualmente já conheço) fui alvo de chacota pública por não ser gira como as "miúdas das motas". A palavra "feia" foi-me atirada à cara vezes sem conta, sem qualquer cerimónia. Muitas vezes vezes desejei que eles morressem decapitados por uma viga a cair de um prédio em construção...

O engraçado é que eu olhava para o espelho e perguntava-me onde estava essa pessoa feia. Só via os olhos meigos e traços finos. Mas lembro-me do dia em que tive um choque de realidade. Tinha uns 15 ou 16 anos. Eram os meus anos. Tinha nessa altura, e contra a vontade dos meus pais, deixado crescer o cabelo. Ia sair a jantar com a minha família e sentia-me linda. Estava com um fato giro (achava eu lol), maquilhada (sempre adorei ter uma tela, e a minha cara era isso mesmo), com o cabelo lindo (achava eu...este também sofreu com as hormonas), e, volto a dizer, sentia-me linda, linda. E o meu pai tirou-me uma foto, eu toda sorridente no dia dos meus anos.
Quando passados uns dias veio a revelação da bendita foto... O meu queixo ia caindo... A rapariga linda que tinha visto ao espelho, afinal era um sapo (ou sapa neste caso) grotesco, de cara magra, sorriso estranho e picassiano, dentes encavalitados. Não sei, mas parecia o resultado de uma fotografia rasgada e amarfanhada. Pela primeira vez vi o que viam os outros. E dei-lhes razão. E doeu. Afinal eu era mesmo a rapariga feia.
Desde então procurei não olhar-me muito ao espelho. Para quê? aquilo que eu via afinal era uma ilusão. Eu amava-me (felizmente, penso agora, para meu grande contentamento, sei que já nessa altura tinha alguma confiança em mim) e por isso via no feio em mim o bonito. Quem ama o feio, bonito lhe parece, não é?
Mas eu tenho um mecanismos de defesa fenomenal. E passados um dia ou dois, já tinha esse desgosto bem enterrado no meu baú do que "não se deve pensar/lembrar demasiado, fingir que não aconteceu". E assim, foi mais fácil receber os socos psicológicos que me acompanharam por muitos anos. (E assim foi fácil aguentar um aparelho idiota nos dentes durante 3 anos, sendo já uma mulher adulta).

Felizmente sempre tive amigos que viram em mim o que interessava, uma pessoa com quem se divertiam. Eu via o mesmo neles, fossem bonitos ou não. Fui descobrindo ao longo da vida que toda a gente tem traços bonitos. Não é preciso ser-se perfeito, porque efectivamente a perfeição é aborrecida, já não há nada a melhorar. E só não é bonito "quem não quer" - acredito piamente nisto. Porque todos podemos enaltecer os nossos melhores traços, vestir-nos de modo a favorecer o nosso corpo. E mesmo numa cara menos agradável, há sempre a boca que é bonita, ou os dentes perfeitos, ou o sorriso lindo (seja porque é Pepsodente ou porque simplesmente é maroto), ou o cabelo fantástico, ou o formato da cara, ou as sobrancelhas bonitas, ou o desenho lindo dos olhos, ou a cor deles. Mas sobretudo há a beleza interior (e isto não é conversa barata) que é transmitida por esse traços. Porque uns olhos esteticamente bonitos numa pessoa fria, egoísta, ou má, não são belos.
E fisicamente podemos sempre corrigir-nos: se somos gordos podemos emagrecer, se somos flácidos podemos enrijecer. E no máximo, hoje em dia, se não gostarmos do nosso nariz podemos tirar-lhe uma "fatia". O que não podemos é embelezar uma pessoa feia de coração.

Um dia, irritada e zangada por tanta falta de apreço por parte do sexo masculino, decidi amaldiçoar essa raça que só via beleza nas outras raparigas. Jurei que um dia ia passar de patinho feio para cisne e ia fazer a vida negra a muita gente.
Claro que não foi bem assim lol. Mas já beijei alguns sapos e encontrei alguns príncipes entre eles desde esses dark ages lol.  Fiz sofrer alguns rapazes, mas sofri também. Rejeitei e fui rejeitada, mas também amei e fui amada. Mas também descobri que melhor do que ser bonita (não é o caso, mas lá está, se assim o desejar nao há nada que uma boa maquilhagem e atitude não faça), é ser bonita e cool, ser bonita e generosa, ser bonita e boa ouvinte, etc, etc. Ser tudo o que podemos ser de melhor.
Sei que não sou perfeita, a nenhum nível, mas acho que já sei quem sou, e posso contar comigo mais do que com qualquer outra pessoa. E sei, mais do que nunca, tenho a certeza disso, que a beleza está nos olhos de quem a vê.


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