quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

A imigrante

 Agora que tanto se fala em imigração (e emigração, inerentemente) lembro-me sempre dos tempos em que por um período de tempo também fui um bocadinho assim... Emigrei para um país lindíssimo (para mim o mais bonito do mundo, perdoem-me os demais) e tornei-me imigrante para os que lá estavam. A minha vida lá foi sem um grão de luxo. Vivi 2 anos em quartos partilhados com quem não conhecia (um quarto só para mim era caríssimo) e tive de aprender a gerir dinheiro, pessoas e eu própria (a minha segurança, em quem confiava minimamente, o que devia ou não fazer, etc etc).

Foi uma aventura? Sem dúvida? Foi divertido? Sem dúvida? Foi difícil? Sem dúvida. Foi solitário por vezes? Muito. Mas sobrevivi. Aliás, vivi. Mesmo. Saborei a companhia de quem não conhecia, fiz amigos com quem às vezes ainda falo, visitei muitos sítios sozinha e acompanhada; saboreei a solidão. Aliás passei o aniversário dos meus 25 anos completamente sozinha (sem me cantarem os parabéns; sem ninguém lá - quem restava dos que conhecia - se lembrar sequer a não ser a minha família e amigas que estavam cá; zangada com uma suposta amiga de lá que me virou as costas sem eu ter percebido até ao momento; etc etc).

Mas apesar disso tudo era uma aventura. Sabia que podia regressar quando quisesse ou precisasse. Até que um dia senti um bocadinho na pele o que era ser olhada de lado por não ser dali, não ter aquela nacionalidade. Fizeram-me sentir a mais numa paragem de autocarro onde uma simples conversa com um senhor mais velho (já não sei quem a começou) que se adivinhava ser uma conversa que partia de puro interesse e curiosidade da parte dele, se transformou no que era apenas o intuito de perceber se eu ia ficar lá para sempre (isso existe?), ou se estava de passagem, porque estava eu lá, porque queria lá estar e então quanto tempo estaria. Ser turista era uma coisa, mas trabalhar lá era mau, percebi eu depois, porque isso tirava o trabalho aos jovens de lá. Não me esqueço daquela sensação de rejeição vinda do nada. Eu não lhe tinha feito nada. Estavamos na Europa, tinha havido a mudança para o Euro há pouco tempo e havia novidade e euforia.

Agora esse sentimento de rejeição voltou, passados estes anos todos. Eu que sempre me considerei sortuda e que nunca tinha estado mais de 1 mês sem trabalhar... Parece que a incerteza toca a todos. Bolas, se toca. A mim tem-me espancado e a todos os níveis. 

Nunca a minha vida foi tão incerta, caramba. Admiro quem olha para estas coisas e pensa: quando portas se fecham, outras se abrem. Mas... onde estão elas? Ok, abriram-se umas janelas aqui e ali, mas mesmo essas são pouco. Sou filha de privilégio? Nunca o neguei. Mas sempre corri atrás e sempre fiz por ter as coisas por mérito e esforço. 

Agora sou simplesmente rejeitada. Porque sim. Porque (imagino eu) já sou mais velha e querem sangue novo. Porque o mercado está saturado. Porque há milhares melhores do que eu. Porque se tento mudar de área não tenho experiência ou porque não tenho perfil.

Tenho tido acesso a contactos de contactos meus. Nem um serviu até agora. 

Tudo daqui para a frente é incerteza na minha vida. Ou então há vislumbres de uma vida boa vivida, mas onde me falta uma parte que sei que existe. Mas não tenho.

Onde é que eu errei? 

Acomodei-me demais?

Acomodei-me de menos?

Devia ter arriscado mais?

Devia aceitar e calar-me?

Deve ser porque sou mulher e estou com o período a vir algures - seja lá quando é que isso for... até isso é uma incerteza neste momento.

Apanhem-me sozinha e estarei a deitar umas lágrimas.

Apanhem-me com pessoas ao lado e estarei a tentar estar no meu melhor, a sorrir e "a estar presente".

Mas está difícil. Difícil esconder a frustração desta fase. 

Lembro-me que quando voltei a Portugal, depois desses anos fora, tinha 27 anos e tive uma espécie de depressão valente. Não sabia o que seria da minha vida. Tudo era uma incógnita. Chorava a toda a hora. Lembro-me de ser tão evidente que a minha mãe não sabia já o que fazer comigo e me perguntou na altura se eu queria ir ao psicólogo. Disse-lhe que não. Se calhar devia ter ido, nunca saberei. Depois a vida lá foi acontecendo. E agora tenho milhares de histórias para contar a quem quiser ouvir. Não tem sido uma vida pálida e morna. De todo.

Mas fonix... às vezes sai-me bem do pêlo.

E sentir que chego a esta altura, em que devia estar no meu expoente máximo a nível de carreira e de vida no geral (não é o que dizem?... ou devia cagar no que se diz e fazer o meu percurso sem pressões do que os outros acham que deveria ser), aqui estou eu a duvidar de tudo, numa incerteza brutal. Admiro quem se contenta com pouco (o que quer que isso seja também). Aceitar o que se tem e não pensar mais além, no fundo é uma benção. 

Será que estou a sofrer de FOMO da vida? Estou novamente com uma "depressão" de mudança de idade? É agora a crise de meia idade?... Que passe depressa... 

Estou farta de ser rejeitada e de tudo ser uma incerteza. 

Mas vá... é Natal e vamos lá todos fingir que gostamos das prendas que nos dão e dizer que sim isto é giro ou que não, isto não me serve e vou trocar. 

É Natal e ninguém leva a mal.

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