quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Mulheres, ruas e andar sozinha à noite

Foi há muitos anos. 

Estava num país estrangeiro e já não vivia dentro de uma residência de estudantes nem andava sempre em grupo. Vivia agora num apartamento que dividia com mais 3 pessoas, 2 das quais mal me dirigiam palavra e desapareciam ao fim de semana sem dar qualquer aviso ou conversa (se morressem ou desaparecessem eu nem saberia, e vice-versa).

Para enganar a solidão desta nova situação (fui expulsa da residência porque estava lá há tempo demais e não pertencia à faculdade) continuava a visitar os meus amigos da tal residência. Durante o dia ia trabalhar e ao fim da tarde rumava para lá diretamente e jantava com amigos; ou jantava primeiro em casa (no quarto ou na cozinha - não tinhamos sala, o dono do apartamento tinha convertido a sala em mais um quarto) e depois ia até à residência visitar quem por lá estivesse. Durante 2 anos não tive TV, só lia livros ou revistas, ouvia música e tentava estar a par das notícias conforme ia conseguindo.

Uma noite houve uma festa (mais uma entre muitas). E a festa durou a noite toda e entrou pela nova manhã adentro. (imagino que era fim de semana, acho que não faria isso durante a semana estando a trabalhar, já aí era super responsável, mas já não me lembro). 

Saí da residência sozinha e apanhei o primeiro elétrico do dia. Estava tão mas estão escuro que parecia ainda serem umas 3h da manhã. Cheguei ao meu destino, uma zona mais marginal, fora do centro onde para ir ter à minha casa tinha de passar por baixo de uma pequena ponte mal iluminada, mas que tinha um foco super forte apontado a um canto. Aquele bocado era tão mas tão poluído que quando passava ali fechava a boca, as narinas e os pulmões se pudesse, porque o cheiro era suficiente para nos matar. Passar ali era assustador confesso... vinham-me sempre à mente histórias de assassinatos e coisas macabras que acontecem quando menos se espera, precisamente num lugar como aquele.

Estava tão escuro e com apenas alguns focos de luz aqui e ali que toda eu estava em alerta. Ouvia tudo, rodava a cabeça para todos os lados para ver se via alguém... Quando estamos sozinhas na rua à noite tudo é motivo para alerta. Não confio em ninguém. Estava pronta para correr a maratona se visse algum sinal de alarme. 

Comecei a caminhar pela rua que estava deserta e a certa altura o sol começou a nascer, mas mesmo assim ainda estava tudo muito escuro. Perguntei-me porque raio me estava a colocar naquela situação, um bocado vulnerável, mas por outro lado não queria que o medo me impedisse de me divertir e de visitar quem queria e ir às festas que queria. Fiz-me de forte, pensei que estava tudo bem e continuei a caminhar rapidamente pelas ruas (mas evitei um pequeno parque com vegetação aqui havia ali). 

A certa altura gelei... Surge numa das ruas um rapaz com ar bastante alucinado. Caminhava muito depressa e vinha alguns metros atrás de mim. Eu não percebia se ele vinha ter comigo ou se ia no seu caminho mas por acaso eu estava no tracejado que ele seguia. Comecei a andar cada vez mais depressa. E ele fez o mesmo. Andava cada vez mais depressa, quase corria. Vinha na minha direção a aproximar-se de mim, com o tal sorriso estranho e alucinado. Eu andava cada vez mais depressa... cheguei a pensar se era dessa que ia fazer parte de uma daquelas estatísticas horríveis de mortes ou violações. Mas não ia não. 

Comecei a andar tão depressa que já corria. Numa espécie de flash momentâneo decidi que o melhor que tinha a fazer era procurar alguém na rua. Se fosse ter com alguém talvez o tal rapaz parasse de me seguir. Mas as ruas estavam desertas.

A certa altura (pareceu uma eternidade) comecei a ouvir uma espécie de estores a subir. Eram alguns cafés a iniciar o movimento. Deviam ser já 6h da manhã e o pessoal começava a preparar as coisas. Mas eu ouvia o barulho, mas não via nada a abrir. Até que vi uma loja com alguém lá dentro, via-se luz e as grades a mexer. Andei/corri o mais que pude. Só queria chegar até lá, bater à porta e que me deixassem entrar. Só queria que alguém me visse.

Fiz um desvio súbito grande em direção à tal loja e nesse momento olhei para trás. O rapaz continuava a andar depressa ou correr (já nem sei) e tinha o mesmo sorriso alucinado na cara (provavelmente estava cheio de drogas no sistema), mas não me seguiu. Continuou a andar em frente até que desapareceu.

Nem sei descrever o alívio... Quando abrandei o ritmo, acabei por não bater à janela da loja. Continuei caminho mas tinha o coração a sair-me do peito e as pernas a fraquejar. Nunca percebi se o rapaz me estava a seguir ou não. Mas não ganhei para o susto. Cheguei a casa e fui tentar dormir.

Tenho a certeza de que um rapaz não se teria sentido assim. Com tanto medo.

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