quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Cenas mundanas

 O meu mais velho a olhar para as minhas mãos:

- Mãe, porque tens o dedo vermelho? 

(parece que estou a contar a história do Lobo Mau ahahaha)

- Por nada de especial rapaz, deve ser do meu batom. Pus à bocado e espalhei com o dedo.

- Do meio?...

- Sim...

- Porque metes batom? Estás agora a comer e praticamente já não o tens.

- Pois... raio dos batons. No dedo de facto não sai, já lavei as mãos várias vezes e isto continua assim... Se calhar devia ter os lábios nos dedos ahahha

- Já reparaste que comes batom a toda a hora?

- Já.

- Não te incomoda?

- Não.

- Não deve fazer bem...

- Os cremes (e coisas de maquilhagem) que toda a gente usa também não. E usam-se diariamente. Os desodorizantes idem (a não ser aqueles bem naturais que custam 10 euros e depois deixam-te a cheirar a transpiração na mesma...). É uma escolha. Fumar era pior, se calhar...


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(noutro dia)

- Mãe, anda, despacha-te, tens de me ir levar! Rápido!

- Opa, já vou, calma. Estou só a por isto...

- Batom? Mas para quê??!! Nem vais sair do carro... Achas que alguém te vai ver??

- Sim, as pessoas, do outro lado da janela ou vidro.

- Ninguém vai olhar para ti, anda!

- Ai... estou a ir. Mas tenho de ir com a cara mais "alegre".

- Porquê?

- Porque senão parece que morri... Estou pálida e cheia de olheiras. Isto "aviva-me" a coisa.

- Estás igual à de sempre...

- A sério? Não notas diferença quando estou maquilhada ou quando não estou?

- Não... ficas igual. É igual.


(Anda uma pessoa a esforçar-se para nada afinal... lol)


E viva a motivação...!


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Ando cheia de olheiras há uns dias. Não consigo não olhar para elas sempre que olho ao espelho. A noite passada sei bem porque elas existiram. O meus vizinhos do lado estão cá novamente e têm o péssimo hábito de falar super alto, seja a que horas for. Ele está agora reformado, ela sempre foi dona de casa, os filhos estudam fora há anos (agora já trabalham) e eles estão sempre os 2 sozinhos na maior parte do tempo. São uns porreiros... mas não se calam! Não percebo o que têm assim tanto para dizer às 2h ou 3h. Está um silêncio brutal nas casas todas e só oiço a voz deles a discutir algo. Arghhhhhhh


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O raio do burro também não se cala. É o dia e a noite toda... E eu a achar que era ótimo viver no campo com animais...

terça-feira, 9 de setembro de 2025

O cheiro

O cheiro é uma coisa importante.

É talvez o mais invisível dos sentidos, é aquele que mais depressa nos transporta para lugares, memórias e emoções. Há algo de muito íntimo e imediato no ato de cheirar: não vemos nem tocamos, mas deixamo-nos atravessar por um sentido que conta histórias.

O cheiro de uma pessoa é um território que pode ser de proximidade e mistério (ou de repulsa, já o experimentei no passado). Cada corpo tem a sua assinatura, uma mistura única de pele, tempo e vida (quem nunca ouviu o célebre "naquela casa cheirava a velhos" ou o "aquele cheiro maravilhoso a bebé..."). Reconhecemos os que amamos não só pela voz ou pelo olhar, mas também pelo cheiro subtil (às vezes não tão subtil assim) que deixam no ar, aquele inprint invisível.

Outro cheiro que nos atinge a alma, para mim, é o cheiro da terra. É um regresso ao princípio. Quando a terra está húmida abre-se um aroma peculiar, sentimos que algo ancestral desperta em nós: por todo o nosso corpo passam memórias inarticuladas de raízes, florestas antigas, colheitas. É o cheiro de um ciclo que nunca termina.

Há também um dos meus cheiros preferidos: o do bolo acabado de sair do forno. Espalha-se pela casa uma alegria quente, um cheiro que aquece e que é cuidado e generosidade. Para mim, este cheiro cheira melhor no inverno. Uma fatia de bolo acabado de fazer, comida quando estamos sentados num sofá, cobertos por uma manta confortável... é um bolo que nunca cheira apenas a bolo. Cheira a infância, por vezes a avós, e a um tempo suspenso em que tudo parece seguro.

Há ainda o cheiro da pele saída do duche. Fresca, limpa, quase etérea. O corpo ganha uma nova pele, pronta a enfrentar o mundo. Há poucos dias o meu picachu pequeno disse-me uma coisa gira: foi comigo ao supermecado e quando estavamos a cheirar alguns Gel Duches para levar, ele cheirou um em particular que às vezes uso e disse "Este cheira a ti!!". Fiquei supresa. Eu cheiro a alguma coisa específica? Ele consegue cheirar uma camisola minha (entre outras de outras pessoas) e saber que é minha? (Eu consigo identificar pelo cheiro uma camisola que seja da minha mãe; faço-o de olhos fechados em poucos segundos). Não lhe perguntei isso e jamais irei saber, mas ele depois disse-me a rir: "Cheiras a isto sempre que sais do banho". 😍

(Haja alguma coisa positiva, então, no ato de me enfiar numa banheira viscosa e escorregadia...)