Foi há pouco menos de um ano. Tinha ido a um jantar com um grupo de pessoas que mal conhecia, na casa de uma delas (estes jantares são raros, mas às vezes lá surgem). Era um grupo diversificado de homens e mulheres. Uns com os conjuges, outros sem estes.
Sentia-me intimidada. Falava-se muito de política e assuntos similares; encolho-me sempre um bocado. Tenho alguma cultura geral e tento andar a par do que se passa a nível nacional e internacional, mas o meu conhecimento de História (economia, guerras, sociedade) é apenas médio (ou será que é médio-baixo ahaha). Mas tento. Leio, depois esqueço-me ou pior... baralho as histórias!! (lembro-me de há uns anos ter tido em casa um amigo estrangeiro e antes de ele vir andei 2 semanas a estudar a história do nosso país para refrescar a memória...)
O que aqui interessa salientar é que acho sempre que os outros são mais eruditos e conhecedores do que eu. Sinto-me uma naba, é literalmente o Síndrome do Impostor - o pavor de um dia todos descobrirem que sou uma fraude. Mas o pior mesmo é quando estou num grupo e alguém diz a apontar para mim (e a dizer o meu nome) "Olha, tu deves saber, fala lá sobre isto x e y...". Odeio. Odeio que me atirem para a frente e me metam na berlinda sem eu ter escolhido. Gosto de me chegar à frente, não tenho medo quando sou eu escolher o momento. Mas se o momento me aparece sem o ver previamente... dá-me uma coisita má cá dentro, pânico súbito... Mas tenho de me aguentar à bomboca. Afinal, já sou crescidinha.
Estava eu no tal jantar... A certa altura começo a observar uma das pessoas... Homem, informático, os seus 30 e tal anos. Sorriso pepsodent. Sorriso falso. Não sei. Nunca fui muito à bola com ele. Ele começa a deambular pela sala sozinho e começa a aproximar-se de uma estante. A estante tinha várias coisas: objetos e livros. Muitos livros. Ele começa a ver as lombadas e eu começo a sorrir. Faço exatamente a mesma coisa quando vou a casa de alguém (se bem que se alguém for à minha sala... os livros das estantes não são propriamente os que mais gostei de ler, às vezes são apenas os mais bonitos que foram escolhidos para colocar ali...).
Eu estava no lado oposto da estante e, ao caminhar lentamente a ver os livros, ele chegou mais perto de mim. Disse-lhe: "Estou a ver que também gostas de saber o que lêem os donos da casa... " (neste caso era uma mulher divorciada). Ele riu-se: "Verdade. Adoro ler e este é sempre um modo de saber mais sobre quem vive numa casa, vês o tipo de gosto da pessoa".
Trocámos mais umas palavras, que género de livros liamos, etc. Percebi nas entrelinhas que aquele ato era também um modo de ele se proteger das conversas eruditas e inflamadas da sala, ele era também um introvertido-extrovertido. Também ele sabia umas coisas sobre o mundo, mas era inseguro, sabia e ao mesmo tempo "nada sabia". Percebi que acharia o máximo se começassemos a fazer tertúlias volta e meia, falar sobre tudo e nada. Nunca aconteceu. Mas a ideia ficou-me.
As pessoas serão sempre pessoas. Por fora mostram uma coisa, por dentro são outra. Todos temos receio de sermos julgados ou incompreendidos. A única diferença é que os que falam e mostram e aparecem voluntariamente... vão, arriscam, expoem-se, mesmo com medo. Mas vão.