quinta-feira, 9 de abril de 2015

No casulo

As notícias de telejornal nos últimos dias têm sido engraçadas... a culminar com o assassinato ontem de um bebé de 3(!!!) meses. Assassínio: o pai.
Não sei o que pensar de tamanha crueldade... Tento fechar na minha mente a imagem que teima em aparecer. E tento não pensar no que estará neste momento a sentir a mãe, enquanto boa parte do mundo (incluindo eu) está confortavelmente a ver TV ou a fazer algo corriqueiro.

Depois, hoje, enquanto termino de arranjar a lancheira do M. para amanhã, vejo o final de uma reportagem (Grande Reportagem na SIC) sobre refugiados de vários países em vários países (pelo menos foi o que me pareceu). Um rapaz (penso que sírio) descreve a sua viagem de barco com mais umas centenas de pessoas. A certa altura o barco afunda-se. Ele fala de estar a ser puxado para baixo pelo barco. Felizmente tanto ele como a família safam-se. Não tiveram a mesma sorte umas 200 pessoas desse barco. O miúdo deve ter uns 10 anos e já viu e viveu coisas que malta com o quíntuplo da idade nunca verá (felizmente).
Noutra cena o pai descreve que uma mulher deu à luz um bebé nesse barco, nessa fatídica viagem. Estavam 12 médicos no barco. Penso mais alegre: ah um milagre no meio daquela tristeza! O pai continua: a mulher morreu. A jornalista pergunta: e o bebé?
Também morreu.
Sinto um balde de água fria do choque.
O bebé. Recém nascido. Mais valia não ter nascido. Um momento tão importante para ser reduzido a nada num processo cheio de dor.
O relato segue-se com o número de crianças que morreram nesse barco.
O miúdo inicial, está orgulhoso por estar a aprender alemão. Fala fluentemente inglês, aprende alemão e parece bem espevitado para a vida. Tem um futuro pela frente.
Parece-me que o pai sobrevive apenas. Perguntam-lhe se pensa naquilo (o barco) frequentemente. Ele diz: sempre. Sempre. Todos os dias. Sempre que vamos dormir. É impossível não pensar.

Depois de mais um dia de trabalho, depois de ir buscar o Batatinha pequeno à escola e receber um mega sorriso desdentado que me aquece a alma, depois da azáfama familiar à hora de jantar, subo calmamente as escadas até ao quarto do bebé. Ele já está vestido com o pijama. E no nosso ritual habitual fecho as persianas em silêncio e corro as cortinas. Ao meu colo ele olha para todo o lado como se visse tudo pela primeira vez, a chuchinha em grande acção. Está bem cansadito (como sempre aquela hora, cedo para nós, já tarde para ele). Sento-me na cadeira nova perto da janela. Ikea. Bem confortável. Acendo uma pequena luz. O suficiente para transmitir que agora é o fim do dia. O suficiente para nos vermos. Ajeito-o ao meu colo. Um bracito para trás das minhas costas, o outro encostado ao meu peito. Ele suspira e agarra com a sua mãozita livre a minha camisola. A outra atrás vai tocando no tecido da cadeira. Suspira de novo. Já sabe que o espera o mimo e o sono. Faço-lhe festinhas ternurentas na cabecita (cada vez com mais cabelo). Passo-lhe o dedo na bochecha, na testa, à volta dos olhos. Ele vai pestanejando. De repente, passa do silêncio para o choro cheio de sono e contorce-se. A chucha cai. Volto a metê-la. Acalma novamente e faz a breve e maravilhosa cantilena do adormecer. Passado um minuto ou dois dorme calmamente. Aproveito o momento e fico ali mais uns minutos (e a rezar para que não acorde no momento em que o pouso no berço!). Fico ali a sorrir para aquela carinha linda a dormir.

E não consigo evitar pensar que aquela carinha (e a outra que deve estar quase a lavar os dentes nesse momento) tem a sorte de viver com pessoas sãs de mente, pessoas que o amam profundamente, que sempre o protegerão, que lhe tentam dar a maior qualidade de vida possível, num país sem guerras, num ambiente pacífico.

Os meus filhos estão no meu casulo. Sobre a minha asa, o tempo maior que eu puder te-los.


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