segunda-feira, 21 de julho de 2014

Carta a uma amiga especial

A uma amiga de longa data. A uma amiga que nunca vai ler este post, desconfio que por estar num blogue/diário sobre a minha vida como mãe. A uma amiga que mesmo assim será sempre especial, mas ultimamente mais afastada. A uma amiga e mulher a quem a vida lhe pregou a partida de não a deixar ter filhos (até agora, já lá vão uns anos, mas ainda acredito que a vida é cheia de surpresas).

Querida amiga,

Bem sei que a vida te tem pregado partidas. Sempre fui solidária contigo em muita coisa, especialmente quando estavas magoada com a vida, desiludida. Sempre te tentei dar esperança, dar o meu mais sincero ponto de vista, dar ânimo e consolar-te em alturas difíceis. Felizmente posso dizer o mesmo de ti. Quando andei perdida, desanimada, cansada e sem saber o que fazer face a situações difíceis, também me consolaste a ajudaste o melhor que pudeste e soubeste. Estar-te-ei eternamente grata por isso.
Muitas amizades adultas são sempre pontuadas por algum afastamento físico. Já não é como nos velhos tempos em que nos víamos diariamente e em que partilhávamos tudo até ao pormenor. As pessoas crescem, formam família, encontram novos companheiros, e têm empregos que lhes deixam pouco tempo livre. Passamos a ver-nos de mês a mês, depois de 3 em 3 meses, etc. O que nos vai safando ainda vão sendo os emails, FB, etc. É normal. Bem sei que o tempo é curto. E agora com um filho ainda o sei mais.
Mas é exatamente esse o tema que, temo, nos divide de momento. As crianças. Os filhos.
O tema é-te doloroso e talvez por isso sempre tenha evitado falar nele quando estou contigo (a não ser que queiras). Evito falar do M., evito a parte "família" nas nossas conversas, não me gabo das suas conquistas, não conto episódios engraçados que acontecem, não partilho dúvidas e angústias sobre a educação dele. Mas tal como eu faço o esforço de falar sobre tudo menos isso, por vezes também gostaria de ver o esforço desse lado para perguntares sobre ele, sobre como está a minha vida, a minha nova gravidez. Gostaria de partilhar contigo esta parte da vida tão doce e ao mesmo tempo tão angustiante. Gostaria que quisesses ver o meu rapaz, o meu bem mais precioso. Há quanto tempo não o vês? Um ano, dois? Tenho tanto orgulho no meu bonequinho e tu nem queres saber. Dói, sabias? A tua falta de interesse fere-me. Já sei... Já sei que é porque eu não compreendo a tua dor, nem imagino o que são os testes de fertilidade, os processos falhados, as dúvidas, o porquê das outras conseguirem e tu não. Eu até compreendo (acho eu). Mas claro que não imagino. Tento imaginar, mas não estou na tua pele. Só quem passa pelas coisas é que sabe delas, verdade? Por isso nem quero dizer que imagino aquilo por que passas. Mas porque me esforço por isso, é que, quando estou contigo, tento evitar o assunto "o meu filho".  E agora, a minha nova (e quase no fim) gravidez.
Mas, tal como eu me esforço para não te lembrar do que te queres esquecer, gostava tanto, mas tanto que me perguntasses de vez em quando sobre essas coisas... É pedir demais?
E a minha gravidez. Este novo filho tão aguardado, tão desejado. Mas nem tudo são rosas, sabias? Há coisas que correm bem, outras ainda em que está tudo bem mas... Os "mas" dos médicos são lixados, não são? Mas ando numa expectativa tão grande em conhecer este bebé :) Como será ele? parecido com o M.? parecido com quem? É um agradável mistério! Só quero ter um parto rápido e que tudo corra bem.
Será que os filhos vão ditar o fim da nossa amizade? ou arrefecimento brutal dela? Mas porquê?
A infertilidade ou o ter mais dificuldade em ter filhos é uma merda. É sim. Nem quero imaginar. Mas custa-me a crer que não se possa comemorar e partilhar a felicidade daqueles que têm o privilégio de os ter. E tenho algumas amigas que felizmente têm interesse nessa parte, ao mesmo tempo que partilham uma luta também por filhos.
E a essas pessoas agradeço-lhes do fundo do coração, porque acredito que não deve ser fácil o equilíbrio sobre a fina linha do "não consigo ter filhos (ainda)" e o "então e os teus filhos, como andam? que fofos? etc etc". Agradeço-lhes por conseguirem sentir e partilhar essa faceta da minha vida e a de muitos outros.
Estou a chegar a um limite. Não consigo mais perguntar sobre coisas da tua vida (por vezes a ti ou ao teu companheiro), interessar-me, sem ter uma pergunta de volta sobre como vai a minha. A amizade é partilha e interesse de ambos os lados.
Não correrei mais atrás de ti. Não perguntarei mais.

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